Artigo escrito por Inês Afonso Marques – Psicóloga Clínica

O nascimento de um segundo filho constitui um importante marco no desenvolvimento de toda a Família. Se, no nascimento de um primeiro filho, os ajustamentos ocorrem essencialmente no seio dos crescidos, um segundo filho pressupõe que um pequenote passe de “filho único a irmão mais velho”. Dúvidas, desejos e expectativas que se criam, bem como necessidades que emergem, abrem a porta a enormes desafios emocionais (mas não só) para o casal e para o seu primeiro filho.
O que mudará?
Talvez menos aspetos centrais do que imaginam num primeiro momento.
Tempo. Não há menos tempo. Há necessidade de gerir o tempo de maneira diferente.Gerir rotinas de duas crianças implica necessariamente gerir o tempo de forma diferente. Por outro lado, crianças com idades diferentes têm necessidades diferentes, originando ritmos distintos. Sono, alimentação e atividades em doses duplas e respeito por fases de desenvolvimento distintas pode parecer, numa primeira instância, tarefa para pais malabaristas. No entanto, o envolvimento do irmão mais velho no cuidado do mais novo pode ser um truque com um retorno valioso.
Mais cansaço e com maior facilidade. Os primeiros meses do recém-nascido são sempre exigentes e desgastantes, quer do ponto de vista físico quer emocional, particularmente para a mãe. Estar sensível a isso, reforça a importância do autocuidado. Este não é um luxo; é uma necessidade para que consiga assegurar sintonia e responsividade às necessidades dos mais novos.
Maior confiança nas capacidades. Aquilo que num primeiro filho poderia parecer um um complicado enigma, como banhos, fraldas e amamentação, deixará de o ser, pelo menos na mesma escala, quando se fala de um segundo filho. É natural que as dúvidas na segunda viagem sejam menores e a prática e autoconfiança ajudarão a descomplicar muitas situações.
Como atenuar o impacto das mudanças?
A organização e a preparação podem ser importantes aliados para todos. E não me refiro unicamente a fraldas, roupas e biberons. Preparar a casa e a Família para as mudanças é uma tarefa importante. Estar consciente dos novos desafios permite ao casal usufruir desta nova fase do ciclo de vida da família com maior tranquilidade e prazer. Ajudar o filho mais velho a compreender o que mudará e o que permanecerá inalterável, permitirá que também ele receba o seu irmão com maior segurança e disponibilidade emocional. A previsibilidade dos acontecimentos gera segurança. Sabendo o que irá ser novidade com a chegada de um bebé, o irmão mais velho irá sentir-se mais confiante sobre o seu papel na Família. É essencial que a criança sinta que as suas rotinas podem mudar, mas que o amor que os pais sentem por ela se mantém intacto.
Como ajudar o filho mais velho a sentir que continua a ser especial?
– Promovam o envolvimento do mais velho nos cuidados do bebé, realçando as suas qualidades e elogiando a sua atenção, carinho e dedicação ao irmão mais novo.
– Contem-lhe a sua própria história, recorrendo a fotografias, vídeos e outros registos. Conhecer a sua história aumentará a expectativa de querer participar na vida do irmão, ajudará a nivelar expectativas temporais (eventualmente o irmão será um companheiro nos jogos de futebol, mas não nos primeiros tempos de vida) e, simultaneamente, irá reforçar laços emocionais fortes e significativos entre ele e os pais.
– Evitem muitas mudanças em simultâneo. Mesmo quando falamos em mudanças desejadas, existe sempre uma certa dose de stress presente. Mudar de casa ou de escola, por exemplo, na altura do nascimento do bebé, pode ser uma dura prova à resiliência de todos.
– Continuem a dedicar tempo especial e exclusivo ao mais velho. Dêem-lhe espaço e oportunidade para que possa falar daquilo que pensa e sente, assim como dos seus assuntos triviais do quotidiano. Demonstre abertura e genuinidade, mas não o façam sentir-se obrigado a falar.
E se ele tirar do caixote as birras há muito arrumadas?
Dependendo naturalmente da idade, a capacidade da criança se expressar é variável e, por vezes, as palavras podem ficar em segundo plano quando se fala de expressão emocional. Podem, assim, surgir as birras, as dificuldades em adormecer ou comer, o comportamento disruptivo na escola ou a irritabilidade. Contudo, se procurarmos compreender o que escondem estes comportamentos, talvez nos deparemos com o sentimento de insegurança da criança, face a uma nova realidade. Ajudar o seu filho a dar nome ao que está a sentir será o primeiro passo para poder regular aquilo que sente.
E se quando crescerem andarem desavindos?
As brigas entre irmãos fazem parte do crescimento. E não faz sentido os pais estarem sempre a interferir. Se pensarmos em coisas do dia-a-dia, não muito extremadas, é bom que os pais não cedam à tentação de estar sempre a intervir. Devemos dar a oportunidade de resolverem o conflito sozinhos, porque isso estimula a autonomia. Isto não quer dizer que ignorem por completo o que está a acontecer. Devem ficar na retaguarda.
A rivalidade entre irmãos é comum a todas as famílias onde há mais do que uma criança. E até certo ponto “desejável”. Há duas ou mais pessoas a tentarem expressar-se e ter o seu espaço, pelo que é normal que surjam conflitos. Se não for permanente e de forma unilateral, não há que encarar de forma negativa. A partilha, a gestão do espaço e da atenção de outras pessoas pode provocar incompatibilidades. Todas as situações, se geridas com bom senso, coerência e consistência por parte dos adultos, serão oportunidades de crescimento e de desenvolvimento socioemocional.
Que a família cresça. Em número e em afeto.
Inês Afonso Marques
Psicóloga Clínica
Gestão área infantojuvenil
Oficina de Psicologia
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