
Entretidos nas redes sociais e jogos online, fechados nos quartos durante a pandemia, muitas vezes os adolescentes podem passar a imagem de que está tudo bem. Porém, os últimos meses podem estar a representar momentos mais difíceis do que parecem, sendo que para alguns jovens os tempos que vivemos podem representar uma adolescência interrompida.
Todos sabemos que na adolescência há um movimento natural de preferência pelo convívio com os amigos, as atividades em família começam a ser dispensadas e agem como se a orientação dos adultos não fosse bem-vinda ou necessária. Fecham a porta do quarto com mais frequência, como forma de definir o seu espaço e reclamar a sua privacidade. E das alterações de humor e respostas esquivas, nem se fala! Todas estas alterações fazem parte do processo de construção da própria identidade, da procura de autonomia e independência.
O ser humano é um ser social e na adolescência as relações com os pares tornam-se cada vez mais importantes e centrais para o seu autoconceito e experiências de vida. Neste sentido, é comum na adolescência haver o distanciamento das figuras parentais, devido à necessidade de afirmação e oposição à opinião dos adultos, juntamente com uma necessidade de pertença no grupo de amigos. Porém, com a pandemia estas dinâmicas naturais e esperadas podem sofrer modificações na forma como são realizadas. Todos estamos a sentir-nos privados de determinadas experiências sociais e a ser obrigados a adaptar esses eventos às medidas de segurança exigidas, mas, para os adolescentes em particular, estas adaptações podem ser mais difíceis de aceitar e gerir.
Alguns jovens sentem, até, que a sua adolescência foi interrompida. Há experiências que só se vivem uma vez e representariam vivências de grande simbolismo nas suas adolescências: namoros, concertos, competições dos desportos que praticavam, bailes e viagens de finalistas, primeiras experiências sociais no ensino superior… Muitos eventos e experiências que ansiavam foram cancelados, o que para os jovens são perdas frustrantes. Seriam experiências e aventuras com riscos associados com os quais teriam de lidar e que constituiriam ricas aprendizagens de vida.
Para alguns adolescentes as mudanças decorrentes da pandemia, como a alteração de rotinas, interrupção de atividades de prazer e realização, afastamento dos amigos, ter mais tempo livre sem nada definido para fazer, fê-los sentirem-se perdidos e provocou grande stress em relação à incerteza e desesperança em relação ao futuro. Neste momento, alguns podem demonstrar uma preocupação acrescida em relação às aprendizagens escolares, rendimento escolar e consequentes notas e médias. Podem estar apreensivos com as dificuldades económicas das suas famílias e respetivas consequências que isso acarreta no presente e no futuro, por exemplo, a dúvida sobre a possibilidade de suportar os custos de ingresso no ensino superior. Existe também a preocupação, agora ainda maior, em relação à entrada num mercado de trabalho numa grave crise económica global.
A adolescência é uma fase de vida na qual se verifica alguma vulnerabilidade para o desenvolvimento de problemas psicológicos e uma mudança drástica ou momentos de crise com os quais não sabem lidar podem constituir-se como fatores de risco. Neste sentido, é fundamental que as famílias estejam atentas a sinais de alarme, como sintomas psicossomáticos de ansiedade (taquicardia, tremores, dor de cabeça, tonturas), mudanças de humor repentinas, irritabilidade, agitação, choro fácil, tristeza, dificuldades em dormir, alterações no apetite, aborrecimento e perda de interesse por atividades que gostava. Se as alterações forem significativas e prolongadas no tempo, procurem ajuda profissional, para que haja uma intervenção precoce e sejam evitadas mais repercussões negativas e sofrimento decorrente das circunstâncias atuais.
Raquel Carvalho, psicóloga clínica
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