Dúvidas e perguntas sobre a aprendizagem da leitura e escrita:
Com que idade é que a criança começa a aprender a ler e escrever?
Os primeiros anos da vida, até aos seis anos de idade, constituem um período decisivo do desenvolvimento da criança, sendo essenciais no processo de aprendizagem de leitura e escrita.
Na verdade, os primeiros passos na leitura e escrita, ocorrem desde muito cedo, em idade pré-escolar, ainda antes do ensino formal da leitura e escrita. A estes primeiros passos chamamos literacia precoce ou emergente, que se refere a um conjunto de experiências, práticas e interacções com a leitura e escrita, ajudando ao desenvolvimento posterior das competências de fala, leitura, escrita e cálculo.
É essencial que a criança viva num ambiente de literacia rico rodeada de livros, jornais ou revistas, para que possa mexer, folhear, escutar histórias em voz alta e expressiva, falar sobre cada história, promover o gosto por canções, poemas, rimas, lenga-lengas, ter acesso a lápis e canetas para poder rabiscar, desenhar e escrever o seu nome. É nos desenhos que criança inclui marcas referentes à escrita, dependendo da sua idade e do seu nível de desenvolvimento. Gradualmente vai tendo a capacidade de distinguir desenhos, de números e palavras escritas.
Os ambientes familiares onde os pais estão atentos a estas questões possibilitam que a criança se relacione de forma mais saudável com a leitura e escrita, motivando-a, encorajando-a e tornando-a mais confiante e competente na sua aquisição futura.
Neste sentido, o ritmo de aprendizagem de cada criança é único e difere de acordo com o seu contexto familiar e de literacia. É isto que explica o facto de algumas crianças entrarem para o 1º ano já a saber ler, a conseguir decifrar palavras enquanto outras ainda estão a aprender as letras e só o conseguem fazer por volta dos 7 anos de idade. No entanto, entre o final do 1º e 2º ano a maioria das crianças é competente a ler e escrever.
É importante que a escola e a família trabalhem em conjunto, dando espaço àquela criança, respeitando o seu ritmo de desenvolvimento, o tempo de aprendizagem, valorizando as suas tentativas, compreendendo os seus avanços, e demonstrando que acredita que irá ter sucesso nesta área.
A criança está no jardim de infância, tem 5 anos e demonstra dificuldades na divisão das sílabas, é normal?
Até aos 3 anos de idade, a criança desenvolve a capacidade de discriminação auditiva, sendo capaz de distinguir os diferentes sons do ambiente e, mais tarde, palavras muito parecidas como “vaca” e “faca”. É a partir desta altura que começa a ser capaz de fazer jogos de rimas, produzir palavras novas ou inventadas, dividir e juntar sílabas. Começa, então, a aceder à sua capacidade de consciência fonológica ou de consciência dos sons da fala.
Entre os 4 e 5 anos de idade, pode ser comum que uma criança ainda não tenha capacidade de dividir sílabas, no entanto, é necessário que pais e professores pratiquem esta competência como outras de consciência fonológica, que ajudem a fazer a ligação da oralidade com a escrita (por exemplo, reconhecer rimas, identificar sons iniciais das palavras, juntar sons para formar palavras).
A partir dos 5, 6 anos é importante que a criança apresente um bom desempenho na consciência fonológica pois terá uma maior probabilidade de vir a ser uma leitora ou escritora de sucesso. É através desta capacidade que ela percebe que uma palavra tem vários sons e que esses sons se podem escrever com uma ou mais letras e, em paralelo, que uma letra pode ter um ou mais sons.
O meu filho fala mal, pode escrever como fala?
A linguagem falada constitui uma base fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem da leitura e escrita. Se a criança apresentar um dicção correcta, um vocabulário rico e uma boa construção frásica, há grande probabilidade de vir a desenvolver uma aprendizagem harmoniosa da leitura e da escrita.
Mas, atenção que a fala, refere-se unicamente ao acto motor, à forma de executar e articular as palavras, enquanto que linguagem é um sistema mais complexo e envolve a fonologia, referindo-se à consciência dos sons da fala. Se tivermos, por exemplo uma criança “sopinha de massa”, ela terá dificuldade de fala, ou seja, uma dificuldade em pôr a língua no local correcto quando faz o som “s”(*). O som está distorcido, mas a criança tem a consciência de que aquele som existe. Se por outro lado, a criança trocar o som “s”(*) por “t”(*), ou seja, na palavra “sol” disser “tol”, poderá constituir um factor de risco para aprender a ler e a escrever.
Há assim uma relação entre a linguagem oral e a linguagem escrita, sendo que se influenciam mutuamente, encontrando-se interligadas. São, no entanto, independentes.
Quando uma criança está a aprender a falar aprende que as palavras representam conceitos e são apenas sequências de sons. O que acontece é que para produzir e compreender a linguagem é importante que a criança tenha conhecimento dos sons, sem que precise de os consciencializar. Por exemplo, a criança é capaz de perceber que “mota” e “nota” são duas palavras diferentes que se referem a dois conceitos distintos, mas não sabe dizer porquê. Já na escrita este conhecimento é essencial, pois ela terá de prestar atenção a todos os sons da palavra, para, no final, perceber que a única diferença será no primeiro som e a partir daí escrever com a letra correcta.
É fundamental que os pais ajudem a criança a fazer a relação da oralidade com a escrita, levando-as a entenderem que a escrita não representa os sons da língua biunivocamente (nem todas as letras representam apenas um som) e que os sons da fala pertencem à oralidade, enquanto as letras pertencem à escrita. Por exemplo, quando dizemos o som “s”(*) a ponta da língua toca atrás dos dentes de cima e os lábios estão esticados como se estivéssemos a sorrir. E quando escrevemos este som, ele pode ter diferentes formas ortográficas como “S”, “C”, “Ç”, “SS” ou “X”, mediante a posição em que está na palavra (“sapo”, “cenoura”, “maçã”, “vassoura”, “próximo”).
O meu filho desenha letras em espelho, é normal?
No início da aprendizagem da escrita algumas crianças podem desenhar as letras em espelho uma vez que estão em contacto com vários símbolos diferentes e ainda num processo de diferenciação de letras e números.
Também, por volta dos 7 anos, se ainda não tiver a lateralidade bem definida, pode fazer letras em espelho e ainda não ter a noção das regras de escrita. A lateraidade é fundamental para a interiorização do conceito de direita e esquerda, de uma boa qualidade gráfica, no qual o lápis deve ser usado na mão dominante, uma vez que tem maior força muscular, precisão e rapidez. Esta noção é ainda necessária para discriminar letras quanto à posição espacial (por exemplo, “b-d”, “p-q”) assim como para integrar o sentido direcional da leitura e escrita (da esquerda para a direita).
O uso de materiais ou formas de escrita diversos como escrever com letras móveis, recortá-las em papel, desenhá-las com plasticina, barro, escrever com o dedo no ar, na areia ou ainda digitalmente, fortalecem a criança na consciência gráfica. Também é útil mostrar imagens ou imaginar histórias simples e engraçadas (por exemplo, as letras “b” e “d” gostam de conversar, a letra “b” está virada para a letra “d” ou a letra “b” tem uma grande barriga e a letra “d” usa uma fralda).
Ele já lê um texto, mas nem sempre compreende, o que faço?
Uma das formas que melhora a compreensão leitora é a leitura diária em conjunto, onde a criança define objectivos, faz perguntas, antecipa possibilidades, cria estratégias de compreensão (antes, durante e após a leitura), organiza sequencialmente a história e é capaz de parafrasear (ler um parágrafo e retirar a ideia principal).
Também a leitura em voz alta, de forma entoacional e melodiosa, ajuda a criança a descobrir mais facilmente o seu significado.
No final do 2º ano, por vezes, ainda lê lentamente, é comum?
É comum que a criança oscile na fluência leitora, uma vez que esta é influenciada pelo tipo de texto, pela finalidade da leitura e pela experiência e conhecimento prévio do leitor. No entanto, a maioria das crianças é capaz de ler fluentemente no 2º ano de escolaridade, sendo que algumas precisam de mais tempo e mais estratégias para atingir o mesmo nível de fluência.
Uma das estratégias consiste em seleccionar textos adequados à idade da criança e aos seus interesses, assim como, incentivar a leitura em voz alta repetida e a leitura silenciosa individual.
O que devo fazer quando o meu filho erra uma palavra na leitura?
Quando a criança erra uma palavra na leitura, o ideal é deixá-la terminar a frase e perceber se volta para trás para fazer a sua auto-correcção. Se isso acontecer, é importante valorizá-la dizendo que de dia para dia vai-se tornando um leitor mais competente, que é capaz de recuar e reler as palavras em que errou.
Outra hipótese será no final perguntar se errou nalguma palavra, dar-lhe o modelo de fluência, ler em coro ou ensiná-la a dividir essa palavra sílaba a sílaba.
A criança deve ler quantos minutos por dia?
Numa fase inicial, é importante que a criança pratique a leitura e, quanto mais o fizer, mais rapidamente se tornará uma excelente leitora. É recomendado que os leitores principiantes leiam, pelo menos, quinze a vinte minutos por dia, dependendo da idade e do tipo de livro escolhido.
Acima de tudo é essencial que encontre um tempo para escutar a criança, que ela tenha oportunidade de ler para quem gosta, que esteja atenta e motivada e que queira melhorar a leitura diariamente.
Escreve as palavras todas juntas, o que deve fazer?
É comum durante a aprendizagem da escrita que a criança escreva palavras todas juntas (por exemplo, “derepente”) ou separe sílabas ou palavras que deveriam estar unidas (por exemplo, “a pesar”). Este fenómeno relaciona-se com a ligação à oralidade em que a criança “escreve como fala”, ou seja, a fala é um continuum sonoro, não fazemos pausas. Contudo, na escrita essa informação é necessária.
Uma estratégia que ajuda é explicar à criança este fenómeno e incentivá-la a fazer jogos de consciência de palavra (por exemplo, quantas palavras tem esta frase?), de separação de palavras (por exemplo, dar um texto com palavras todas juntas e pedir que as separe no local certo) e de identificação de número de espaços ou palavras na leitura.
Está no 2º ano e ainda faz erros como “prefeito” em vez de “perfeito”, é normal?
Sim, a criança nesta altura ainda pode fazer alguns erros, nomeadamente com palavras irregulares ou estruturas mais complexas como “exame” escreve “esame”, “vaso” escreve “vazo”, “perto” escreve “preto” ou “padre” escreve “prade”. Nestes casos, é importante colocar as palavras “em comparação” para que perceba que há uma alteração na ordem dos sons e/ou letras que os representam.
O que posso fazer para motivar mais o meu filho para aprender a ler e escrever?
É importante que os pais proporcionem momentos regulares de leitura, explorem histórias e incentivem a criança a ser ela a leitora. Nestas primeiras tentativas de leitura, aproveite para valorizá-la, aumentando assim a sua confiança enquanto leitora. Mesmo que a criança já saiba ler, não desista destes momentos. Encoraje-a também a manipular e comentar os livros que escolhe e demonstre prazer quando o partilha consigo. Esta partilha pode ser oral, mas também através do desenho, pintura, música ou dramatização.
Quando os pais das crianças são leitores e escritores envolvidos, que escrevem ou leem textos que elas escolhem e gostam de ouvir, e, ainda, quando as primeiras experiências de literacia são positivas, entusiasmantes e encorajadoras, a criança sente-se mais motivada a aprender.
E, mesmo que a criança tenha consciência de que ainda não sabe ler ou escrever, deverá ser reconhecida nas suas várias tentativas e compreender os avanços que vai fazendo, acreditando e desenvolvendo sentimentos de competência enquanto futura leitora ou escritora.
O meu filho não gosta de ler em frente à turma. O que posso fazer?
É fundamental sensibilizar o professor, referindo a importância de treinar individualmente a leitura com a criança, dando-lhe confiança e espaço até que o decida fazer.
Quais os livros mais aconselhados para a criança ler?
Para os leitores principiantes é fundamental que os textos sejam simples com letras grandes, com linhas de repetição ou palavras que rimem, uma vez que pode ajudar a despertar a criança para os sons da fala e a relacioná-los com a oralidade.
Para todos os leitores podemos escolher livros de acordo com vários critérios: idade da criança; livros desafiantes, motivadores, não demasiado simples, nem muito complexos; gostos da criança, deixando-a escolher mesmo que os repita ou livros com temas próximos e importantes para aquela criança.
Também é útil proporcionar uma variedade de materiais escritos, como jornais, revistas, livros sobre artes ou história, poesia, livros de canções e outros materiais electrónicos (internet, telemóvel ou computador), captando outros interesses da criança.
Acima de tudo, é benéfico ter livros disponíveis em toda a parte envolvendo a criança em cada momento de leitura.
In, “Escrever Direito por Linhas Tortas”, da Manuscripto, editorial Presença.
Joana Rombert
Terapeuta da Fala e Terapeuta Familiar
www.joanarombert.com
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